Sri Nisargadatta Maharaj possui uma
maneira lógica e perspicaz de apresentar os ensinamentos. Seu tom
desafiador, seu pouco caso das tradições e crenças religiosas, e sua
maneira profunda e radical de abordar os temas são traços
característicos de seus diálogos. Seu estilo de ensinamento era a
discussão profunda – e muitas vezes acalorada – que servia como um
espelho para que os visitantes vissem suas próprias ilusões claramente e
compreendessem a verdade.
Para Nisargadatta Maharaj existem
apenas dois caminhos: o caminho da fé absoluta na Verdade, agindo e
vivendo em conformidade com ela, e o caminho de voltar-se completamente
para o sentimento “eu sou” (semelhante à inquirição ensinada por Ramana
Maharshi e seus discípulos). Maharaj também colocava bastante ênfase na
compreensão da verdade. Abaixo vão alguns trechos retirados do I Am That, de minha livre tradução.
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Você tem apenas dois caminhos:
você pode dar o seu coração e mente à auto-descoberta, ou aceitar as
minhas palavras com confiança e agir com base nelas. Em outras palavras,
ou você torna-se completamente autocentrato, ou completamente não
autocentrado. É a palavra “completamente” que é importante. Você deve
ser extremo para alcançar o Supremo.
Existe um caminho aberto a todos,
independentemente de seu estágio e estilo de vida. Todos estão
conscientes de si mesmos. O aprofundamento e alargamento da
autoconsciência é o caminho real. Quer você chame isso de plena
consciência, testemunhar, ou apenas atenção – é para todos. Ninguém é
imaturo para isso e ninguém falhará.
Você não é nada observável ou
imaginável. No entanto, sem você não pode haver nem percepção nem
imaginação. Você observa o coração sentindo, a mente pensando, o corpo
agindo – o próprio ato de perceber mostra que você não é o que percebe.
Pode haver qualquer experiência, qualquer percepção sem você?
Falando genericamente, existem dois
caminhos: externo e interno. Ou você vive com alguém que conhece a
Verdade e se submete completamente à sua influência e instrução, ou
então você busca o guia interior e segue a luz interior onde quer que
ela o leve. Em ambos os casos os seus desejos pessoais e medos devem ser
desconsiderados. Você aprende ou por proximidade ou por investigação, o
caminho passivo ou ativo.
Rejeite todos os pensamentos
exceto um: o pensamento “eu sou”. A mente irá se rebelar no início, mas
com paciência e perseverança ela sucumbirá e permanecerá quieta. Uma vez
que você torne-se silencioso, as coisas começarão a acontecer
naturalmente e bem naturalmente, sem nenhuma interferência de sua parte.
Mantenha em mente o sentimento “eu
sou”, mergulhe nele, até que sua mente e esse sentimento tornem-se um.
Através de tentativas repetitivas você esbarrará no equilíbrio correto
de atenção e afeição, e sua mente ficará firmemente estabelecida no
pensamento-sentimento “eu sou”. O que quer que faça, diga, ou pense,
este sentimento de ser imutável e terno permanece como o pano de fundo
da mente, sempre presente.
Se você confia em mim, acredite
quando eu lhe digo que você é a pura Percepção que ilumina o campo da
consciência e seus infinitos conteúdos. Perceba isso e viva de acordo
com tal verdade. Se você não acredita em mim, então volte-se para dentro
e investigue “quem sou eu?” ou então concentre sua mente no “eu sou”,
que é o ser puro e simples.
Quaisquer vícios ou fraquezas que
nós descobrimos e entendemos suas causas e natureza é superado pelo
nosso próprio saber; o inconsciente se dissolve ao emergir ao
consciente.
Assim que você perceber que a pessoa
nada mais é do que uma sombra da realidade, mas não a realidade em si,
você cessa de sofrer e preocupar-se. Você concorda em ser guiado de
dentro, e a vida se torna uma jornada rumo ao desconhecido.
Tudo o que é, sou eu, tudo o que existe, é meu. Antes de todos os inícios, após todos os fins – EU SOU.
Para saber o que você é você precisa
primeiro investigar e saber o que você não é. E para saber o que você
não é você precisa observar-se cuidadosamente, rejeitando tudo o que não
necessariamente acompanha o fato básico: “eu sou”. [...] Separe de
forma consistente e perseverante o “eu sou” do “isto” e “aquilo”, e
tente sentir o que significa apenas ser, sem ser “isto” ou “aquilo”.
Todos os nossos hábitos vão contra isto, e a tarefa de lutar contra eles
é longa e às vezes difícil, mas a clara compreensão ajuda muito.
Nutrir ideias como “eu sou um
pecador” ou “eu não sou pecador”, é pecado. Identificar-se com o
particular é todo o pecado que há. O impessoal é real; o pessoal surge e
desaparece. “Eu sou” é o Ser impessoal. “Eu sou isso” é a pessoa. A
pessoa é relativa, enquanto que o puro Ser é fundamental.
Quando você começa a questionar o seu sonho, o despertar não está longe.
Minha experiência é que tudo é
felicidade. Mas o desejo por felicidade causa dor. Assim, a felicidade
se torna uma semente de dor. Todo o universo de sofrimento nasce do
desejo. Abandone o desejo por prazer e você nem mesmo saberá o que é a
dor.
Tudo deve ser levado ao escrutínio e
o desnecessário deve ser cruelmente destruído. Acredite em mim, não
pode haver destruição demais. Pois na Realidade nada possuí valor
intrínseco. Seja apaixonadamente desapaixonado – isso é tudo.
Assim como o gosto do sal está em
todo o grande oceano, e cada gota de água do mar carrega o mesmo sabor,
assim cada experiência me dá o toque da realidade, a realização sempre
nova de meu próprio ser.
A humildade e o silêncio são essenciais a qualquer buscador, por mais avançado que seja.
Na verdade cada passo lhe traz ao
seu objetivo, porque estar sempre a caminho, aprendendo, descobrindo,
desdobrando, é seu eterno destino. Viver é o único propósito da vida. O
Eu Real não se identifica com sucesso ou fracasso – a própria ideia de
tornar-se isso ou aquilo é impensável.
Ninguém jamais falha no Yoga. A
batalha é sempre ganha, pois é uma batalha entre o verdadeiro e o falso.
O falso não tem chance alguma. [...] Tudo é uma questão de ritmo de
progresso. Os rápidos não são melhores do que os lentos. Amadurecimento
rápido e amadurecimento devagar se alternam. Ambos são naturais e
certos. [...] Ainda assim, tudo isto está na mente apenas. Como eu vejo,
não há nada disso. No grande espelho da consciência as imagens surgem e
desaparecem, e apenas a memória lhes dá continuidade. E a memória é
material – destrutível, perecível, passageira. Sobre essa fundação
frágil nós construímos nosso sentimento de existência pessoal – vago,
intermitente, ilusório.
Assim como um homem que tem dor de
cabeça conhece a dor e também que ele não é a dor, eu também conheço o
sonho, eu sonhando, e eu não sonhando – tudo ao mesmo tempo. Eu sou o
que sou antes, durante, e depois do sonho. Mas o que eu vejo no sonho,
isso eu não sou.
A própria ideia de ir além do sonho é
ilusória. Por que ir a lugar algum? Apenas perceba que você está
sonhando um sonho que chama de mundo, e pare de procurar por saídas. O
sonho não é seu problema. Seu problema é que você gosta de uma parte do
sonho mas não da outra. Ame tudo, ou nada, e pare de reclamar. Quando
você vir o sonho como um sonho, terá feito tudo que é necessário fazer.
Você precisa de maturidade de mente e
coração, e ela vem através da aplicação esforçada, na sua vida diária,
de tudo aquilo que você tenha aprendido, por menor que seja.
A vida é o supremo Guru; esteja
atento a suas lições e obedeça a suas instruções. Quando você
personaliza a sua fonte, você tem o Guru exterior; quando você toma os
ensinamentos diretamente da vida, o Guru está no interior. Lembre,
questione-se, reflita, viva com ele, ame-o, cresça nele, cresça com ele,
faça-o seu – o ensinamento de seu Guru, interior ou exterior.
A mente pura vê as coisas como elas
são – bolhas na consciência. Essas bolhas estão aparecendo,
desaparecendo, e reaparecendo – sem ter uma existência real. Nenhuma
causa em particular lhes pode ser apontada, já que cada uma é causada
por todas e afeta a todas.
O que foi alcançado poderá ser
perdido novamente. Apenas quando você realizar a verdadeira paz, a paz
que nunca perdeu, esta paz permanecerá com você, já que ela nunca esteve
longe. Ao invés de buscar algo que você não tem, descubra aquilo que
você nunca perdeu.
A felicidade de ser completamente livre é indescritível.
Esses são todos sinais de um
crescimento inevitável. Não tenha medo, não resista, não atrase. Seja o
que você é. Não há nada a temer. Confie e tente. Experimente
honestamente. Dê uma chance ao seu verdadeiro Ser para que ele molde a
sua vida. Você não se arrependerá.
O que são o nascimento e a morte
senão o início e o fim de uma sequência de eventos na consciência? (…)
Tenha o seu ser fora deste corpo de vida e morte e todos os seus
problemas cessarão. Eles existem porque você acredita que nasceu para
morrer. Desiluda-se e liberte-se. Você não é uma pessoa.
Nisargadatta Maharaj
Material retirado do site: http://advaita.com.br/