A intuição não é um dom mágico, mas uma capacidade do cérebro que pode ser desenvolvida e aplicada na hora de tomar decisões
Por Rosane Queiroz
Há sete anos a terapeuta junguiana Lúcia Rosemberg desistiu na última hora de uma viagem marcada para Campos do Jordão. Era réveillon. Ela iria com os filhos e uma amiga. “Na hora de arrumar as malas senti uma preguiça inexplicável, daquelas de encostar no batente da porta e falar: ‘Ah, não quero mais...' " Não foi. No dia 2 de janeiro caiu um raio na casa. “Pegou fogo na fiação, o quarto onde estariam meus filhos foi destruído." Para a terapeuta, ter escutado a própria intuição foi o que evitou a tragédia. “O inconsciente sabe antes, é que a gente não dá ouvidos."
Conhecida como sexto sentido, a intuição não tem nada de sobrenatural. É uma capacidade do cérebro. Carl Gustav Jung a comparou a uma bússola, uma função da psique que desvenda possibilidades. Envolve a comunicação dos dois hemisférios do cérebro: o esquerdo, que é racional e armazena dados concretos - números, palavras e regras; e o direito, responsável pela linguagem não-verbal - símbolos, imagens e sensações. Relacionar o que vem de um e do outro é intuir.
A questão é como interpretar o que está lá dentro. O processo não é lógico nem linear. Sensações não seguem regras cartesianas, não são concatenadas, não obedecem a uma ordem temporal: aqui, quem dita as regras é o inconsciente.
Trazer para a consciência esse conhecimento interior significa dar vários passos. Resgatar os sinais dos cinco sentidos é um dos primeiros. Conseguir relacionar e interpretar dados objetivos e subjetivos é um dos mais difíceis porque o lado racional tende a desprezar o acaso, as emoções e impressões. Prestar atenção tem peso decisivo: “Não precisa ser vidente. A atenção torna as coisas evidentes", diz Lúcia Rosemberg. Definir um foco de atenção é mais do que uma rima para ativar a intuição - o termo vem do latim “intueri", que significa “olhar atentamente".
Aprender a formular a pergunta certa, direta e sem ambigüidades, é meio caminho andado na direção da resposta. A especialista Laura Day, consultora de executivos e celebridades nos Estados Unidos, dedicou um capítulo inteiro à importância das perguntas em seu “Manual da Intuição Prática" (Ed. Rosa dos Tempos), acreditando que essa elaboração inicial já aciona informações inconscientes sobre a questão.
Limpar a cabeça e se distanciar do problema ajuda a focalizar o que parece estar escondido. Albert Einstein costumava fazer palavras cruzadas para distrair a mente e permitir que a intuição se manifestasse. Para os cientistas, intuir significa conjugar fatos que, à primeira vista, não têm ligação. “A pessoa é mais intuitiva quanto maior for seu banco de dados e sua capacidade de interpretá-los", diz o neurologista Arthur Oscar Schelp, professor da Unesp. Ou seja: quem tem mais conhecimento armazenado vê o que os outros não enxergam. A intuição não despreza o conhecimento, mas elabora a informação de maneira diferente da mente lógica.
É um processo de compreensão instantânea que começa, às vezes, da mera percepção do acaso. Foi assim que no século 13 Robert Grosseteste conseguiu explicar o fenômeno do arco-íris, numa época em que se acreditava que aquilo era manifestação divina.
O astrofísico Amâncio Friaça, da USP, conta que Grosseteste observou o prisma que se formava quando a luz incidia sobre globos de água em seu laboratório. Associou o que via às gotículas de água suspensas no ar depois da chuva e que são cortadas pela luz do sol. Testou e confirmou a hipótese, chegando à explicação para o arco-íris.
É preciso diferenciar intuição do desejo de que algo aconteça e também da paranóia. Paranóia é um medo que se repete, intuição é um insight que acontece depois de uma recombinação inconsciente de fatos, observações e sensações. Segundo Lúcia Rosemberg, a questão é aprender como e para onde transferir a atenção, já que os sinais intuitivos costumam aparecer na forma de metáforas e associações aparentemente sem sentido. É dar ordem ao caos sem seguir uma linha lógica.
Talvez por isso a intuição seja relacionada à mulher, mais ligada à sensibilidade, receptividade, compreensão, subjetividade. “São atributos femininos, mesmo no homem”, diz Lúcia Rosemberg. Tudo o que cada pessoa percebe, sente, sonha, lembra tem significado. A educação voltada para a lógica bloqueia a capacidade de interpretar esses dados. “É preciso dar crédito àquilo que não é comprovado, mas é inegável”, sublinha a terapeuta.
Abrir na rotina um tempo para silêncio e recolhimento ajuda. Registrar e interpretar sonhos e impressões também, porque essas práticas facilitam o acesso ao mundo interno. Intuição, todo mundo tem. As respostas estão todas dentro, a trilha de acesso é sempre individual.
Fonte: Marie Claire
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